Mas, como
disse no post anterior: a noção de engajamento ainda é entendida pela maioria
como engajamento político de
esquerda.
Me lembro
que, quando comecei a faculdade de Letras, em 1998, assimilei muito rápida e
levianamente a ideia da "função" da obra literária: o "despertar
a consciência" do leitor para a realidade de luta de classes, e a
necessidade, então, de trabalhar pela sua superação. Para mim, não havia nada
que prestasse fora desse quadro.
Ora, é
forçoso notar que a maioria das obras literárias está, de fato, fora desse quadro. É, ainda,
forçoso notar que certos críticos tentam trazer, a golpes de marreta, obras de
sua predileção para esse quadro, a despeito da visível deformação que têm de
impor a elas. Para dar exemplos, poderia citar Dom Quixote, Os sofrimentos do jovem Werther,
ou mesmo, um tanto polemicamente, A
montanha mágica e Madame
Bovary, este último, como
membro, protótipo perfeito, da escola realista, mas um caso de grande
complexidade que extrapola qualquer visão ideológica que se lhe tente impor.
Há, mesmo, autores essenciais cuja obra inteira muito dificilmente suportaria o
enquadramento marxista: falo, principalmente, de Albert Camus. Mas poderia
citar também Clarice Lispector.
O grande
problema desse caso é que os críticos marxistas não concebem absolutamente
nenhuma verdade fora do modelo de que se servem. É o que está na grade, e ponto
final. Cito, para ilustração, o caso bem óbvio de Roberto Schwarz e sua análise
do episódio "A flor da moita", acerca da personagem Eugênia, das Memórias póstumas de Brás Cubas. A moça, como se sabe, é coxa, e
Brás Cubas a trata do modo pequeno, mesquinho e vil digno de sua personalidade.
Pois bem. R. Schwarz coloca em primeiro plano o fato de ela ser pobre, e, indo além, sobrepõe a pobreza ao defeito
físico, praticamente anulando este último. Como Brás Cubas chega a ficar
noivo, mais adiante no livro, de uma moça pobre porém sem qualquer problema
físico, creio que fica claro a forçada de mão de R. Schwarz.
Isto
posto, a grade marxista proporciona sim interpretações interessantes do romance
de Machado de Assis. Mas há muito fora do foco dela.
Se nossos
intelectuais, nossos homens grandes, R. Schwarz entre eles (sem qualquer
ironia), admitissem que seu método não é universal, o ganho, para todos,
leitores e escritores, seria enorme.
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