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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

ROUSSEAU


Acabo de concluir a leitura dos dois volumes dedicados a Rousseau da col. Os pensadores (compreende Do contrato social, Ensaio sobre a origem das línguas, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Discurso sobre as ciências e as artes). Leitura instigante, argumentação talentosíssima e até certo ponto perspicaz. Fica-se tentado a concordar com ele, mas... não posso fazer isso.
Grosso modo, Rousseau julga o Homem bom por natureza, e põe a sociedade, não em todas as suas variantes, mas talvez na maioria delas, como corruptora e debilitante. Ata a essa vicissitude da sociedade o cultivo das ciências e das artes.
Muito bem. Ocorre que Rousseau entende por estado de natureza não só nossa pré-História, mas sim uma zona fluida, que compreende, sim, a pré-História, mas também os aborígenes da Austrália e os índios norte e sul-americanos. Ocioso é esclarecer que tais culturas podem ter uma complexidade e sofisticação imensurável, e que o que baseia o julgamento de Rousseau é um preconceito euro-setecentista. Ele crê numa simplicidade que pode muito bem não existir, em boa parte dos casos. Sua tese de que as ciências e as artes caminham sempre juntas com a vilania, em forma de preguiça, cobiça, paixão da nomeada, e exploração do próximo, pode bem ser desmentida pelos mesmos exemplos que ele usa, o dos povos ameríndios, cuja cultura (eu não sou antropólogo, mas tenho por certo, baseado em contatos fortuitos e diversificados com livros, revistas, matérias de jornal e de TV, o que vou afirmar) muitas vezes tem aspectos de sofisticação moral, religiosa, numa palavra: holística, que não são acompanhados pela vilania, de modo algum.
Outro ponto a destacar, neste curto espaço, é a "concessão" que Rousseau faz: as ciências e a filosofia podem ser um bem, se cultivadas pelas "pessoas certas". Ora, quem decidirá quais são as pessoas certas?... Haverá um sábio-mor que dará concessões para estudo de ciências e/ou de filosofia a esse ou àquele indivíduo, mediante algum tipo de auscultação? Qual a metodologia para tanto? Ou não existe esse sábio (o que é óbvio)? Se não existe, então qualquer pessoa pode tentar as ciências e a filosofia, e então a "concessão" que Rousseau faz leva, necessariamente, à repetição da situação atual, ou a uma situação muito parecida? Ou, talvez, as vocações científicas serão atestadas pelo reconhecimento dos semelhantes? Mas se só alguns estão aptos a procurá-las e de fato exercê-las, como esses outros, inaptos, ineptos, poderão julgá-los coerente e justamente?
Rousseau não responde a essas questões, talvez porque seja do século XVIII e não me tenha lido, nem venha a ler. Resta-nos pensar com a própria cachola. 

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