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sábado, 23 de fevereiro de 2013

ENGAJAMENTO LITERÁRIO, PARTE III

Para finalizar, gostaria de tratar muito brevemente do utile de Horácio, sob um ângulo contemporâneo. Basicamente, ele se mostra, a nós leitores do Séc. XXI, como a necessidade de a obra literária conter uma mensagem, algo que nos enriqueça, que nos faça crescer, ou mais ingênua e "marketeiramente": que nos amenize as durezas da vida.
Dizia Sidney Sheldon que seu objetivo, ao escrever um romance, era proporcionar ao leitor alguns momentos de prazer descompromissado, uma espécie de pequena ilha, onde se refugiar do mundo por certo tempo. Em suma, escapismo. Não é disso que falarei aqui. Não creio que o escapismo nos enriqueça ou nos estimule algum crescimento. Talvez amenize um tantinho, mas... parece-me óbvio que não é o caso de tratar dele neste post.
Falarei, antes, daquela literatura cujo produtor - o escritor - mostra compromisso com uma melhora, ou evolução, de seu público.
Pois bem. Primeiro ponto a assinalar: é uma atitude vertical, assumir tal compromisso. O autor se coloca como alguém que tem o que ensinar, ou seja, acima de seu leitor. Dirão, assim, que ele é arrogante, ou soberbo.
Ora, eu sustento com veemência que se você não tem algo a ensinar, seja diretamente, seja de modo enviesado (o mais comum, hoje, ainda que seus adeptos não tenham consciência dele, e se autodeclarem negativistas), você simplesmente não tem o que escrever, e não deve escrever. Todo autor, se é original, está acima de seu público. Ponto.
Segundo: os valores são relativos, e essa atitude, que não tem como não ser moralista, é parte de uma visão unilateral e simplista da vida.
Muito bem. Depende. Uma literatura moralista em nível ingênuo certamente é algo condenável, mas em nível profundo e consciente, não passa nem perto disso. Quem pode negar que Anna Kariênina é um romance moralista? E A queda, de Camus? E toda a obra machadiana, com sua crítica sutil, mas feroz, da sociedade corrompida da época? E Eça? E Flaubert? O olhar agudo para as mazelas, a denúncia, tem como implicação o desejo de mudança, e não há grande autor que não tenha enxergado microscopicamente a sujeira de seu entorno. Quem se cala, em nome de uma atitude de artiste, de uma originalidade que só pode ser mesquinha, e se põe a vegetar esteticismos, esse alguém está tão somente fugindo do problema. Ponto.
Por fim, terceiro: o autor, ao se comprometer com algo que não depende apenas dele, está, sartreanamente,  objetificando o leitor. Está colocando-o como um receptáculo, como um ser passivo. Ler é construir, e não há como estimar o resultado disso, uma vez começado.
Ora, tanto é possível estimar, que a comunicação se dá, e se as interpretações diferem, também têm um núcleo comum, inevitável. O fato de se poder ler uma obra e construir um sentido para essa leitura que vá contra o almejado pelo escritor não impossibilita a produção engajada, mas sim torna a arena, o debate crítico, uma realidade incontornável. Talvez seja essa a maior intenção do autor.
Continuando, tentar passar algum valor para alguém não é objetificá-lo, não é torná-lo passivo, já que o que se busca é a intelecção do valor. Uma vez conhecido, o leitor está ainda na esfera de sua liberdade, para adaptar o que leu à realidade que vivencia.
Enfim, assunto para muita discussão. Não estou, realmente não estou, satisfeito com meus três posts, mas tenho de encerrar a série, simplesmente porque preciso refletir melhor. Espero ter transmitido algo.
Auf wiedersehen!




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