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domingo, 5 de dezembro de 2010

Como assim, grande literatura?

  Costuma-se colocar, e eu concordo, a "literatura de mercado" como uma fonte de trivialidades, e a "grande literatura" como algo superior. O caso é que raras vezes alguém surge para explicar uma, ou outra coisa. Como assim, trivialidades? E superior, por quê? Vejamos.
  Todo best-seller obedece a certas regras de composição, muito claras, facilmente identificáveis. A mais importante delas, linha mestra, matriz das outras: ele é um produto que visa entreter: o leitor deve, ao lê-lo, "esquecer da vida" por alguns instantes, tantos quantos durar a leitura. Assim sendo, ele (o livro) não deve ser de difícil apreensão; sua linguagem deve ser acessível; ele deve "prender a atenção", geralmente mantendo em suspense acontecimentos-chave no âmbito de seu enredo.
  O que leva alguém a ler um best-seller? Ora, os motivos são variados, e podem até coincidir com aqueles pelos quais alguém busca a "grande literatura": a) entreter-se, escapar da realidade por algum tempo; b) aprender algo sobre a vida; c) deleitar-se. Esses três motivos, parece-me, mantêm e impulsionam a literatura, tanto a "de mercado" quanto a "artística" (por falta de uma palavra mais adequada), desde a invenção do livro impresso. O escapismo não é novidade moderna: vide O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, cujo personagem principal lia novelas de cavalaria para se evadir, e acaba enlouquecendo. Por outro lado, não há só um tipo de best-seller. O motivo pelo qual alguém lê Paulo Coelho provavelmente não é o mesmo daquele pelo qual alguém lê Sidney Sheldon. Minha experiência me ensina que o leitor de Paulo Coelho lê seus romances pelos três motivos que levantei aqui, por paradoxal que isso pareça (já que o primeiro e o segundo motivos contradizem-se), enquanto o leitor de Sidney Sheldon geralmente não pretende aprender com o livro que tem em mãos.
  Seguindo com o mesmo critério, o da motivação do leitor, penso que no caso da "grande literatura" fica excluído o escapismo, o mero entretenimento. Por quê? Ora, porque nas obras que compõem o acervo da "grande literatura" o que se encontra não é outra coisa senão a vida, vista de maneira profunda, preservada em sua complexidade. Para mim, um dos critérios que definem a qualidade de uma obra de ficção é justamente o que se pode chamar de sua vivacidade; em outras palavras: se eu pude sentir a vida pulsar no que acabei de ler, ou se, ao contrário, o que li era ralo e superficial. Uma obra vivaz por vezes nos ensina, por vezes nos deleita, podendo-se dizer que a sua grandeza é a medida na qual o espetáculo que ela proporciona se confunde com o espetáculo da vida.
  No entanto, para que esse espetáculo funcione, a sua camada superficial, a forma, o seu arranjo linguístico, deve ter sido trabalhado adequadamente. Esse é o segundo critério para definir a qualidade de uma obra de ficção: a beleza da linguagem. Fundamentalmente, como disse Albert Camus, todo romance é um problema de linguagem. Estendo a asserção para o conto, a crônica, e a novela.
  Assim, respondendo às perguntas iniciais: a "literatura de mercado" é uma fonte de trivialidades justamente por ter como objetivo fornecer-nos uma espécie de paraíso artificial, dentro do qual esquecemos da realidade por certo tempo; por seguir um padrão de linguagem, sem um trabalho artístico autoral, ao passo que a "grande literatura" inquieta-nos, por vezes nos afronta, nos fazendo mergulhar na realidade pela via da ficção, e dessa viagem, que pode ser perturbadora, mas que pode também consolar, saímos sempre enriquecidos.

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