Pesquisar

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Minha vida de leitor

  Quando eu tinha seis anos havia um exemplar d'O pequeno príncipe em casa, um exemplar que eu adorava rabiscar e colorir. Rabiscava e dizia que meus rabiscos eram letras, dizia que estava escrevendo. Eu tinha, já nessa idade (e ainda tenho), uma sede infinita de saber... Queria demais aprender a ler, e a escrever. Aprendendo a ler, lia o tal pequeno príncipe e não entendia... Faltava tanta coisa no asteróide onde o menino morava... E ele morava lá sozinho!... Que coisa triste... E no final, eu lutava contra a certeza de que ele havia morrido. Enganava-me, dizendo a mim mesmo que ele voltara a seu asteróide... Não sei, mas hoje, aqui, escrevendo esse texto, vem-me a desconfiança de que foi a tristeza que a leitura de O pequeno príncipe me trouxe que me afastou da literatura por alguns anos... Mas não muitos. Três. Por volta do meu aniversário de 10 anos ganhei um livro cuja lembrança guardo até hoje com muito carinho, um livro que pretendo dar a meus filhos, quando os tiver. Se chama Quando eu voltar a ser criança, de um autor cujo nome não sei como se escreve, Janus Korczac, ou coisa parecida. É a história de um professor, que num dia, tendo uma pilha de provas para corrigir, dá um longo suspiro, e deseja de coração poder voltar a ser criança. Pois bem. Ele corrige algumas provas, e vai dormir. Na cama, deitado no escuro, aparece-lhe um pequenino gnomo, que lhe concede uma dádiva - poder voltar a ser criança, preservando a memória - e ele aceita. Enfim, não vou contar o resto da história, afinal este texto é para despertar o interesse, não é? Leia-o! Você só terá a ganhar. Continuando: novo lapso de tempo. Só voltei a ler aos doze anos, um livro da coleção vagalume, chamado Barcos de papel. Tão descartável que não me lembro de quase nada do que li nele, mas um bom divertimento para crianças. Um passatempo, como fazer palavras-cruzadas.
  Na verdade, essa classificação serve para quase tudo o que li a partir daí, até chegar a época de prestar o vestibular... Em suma, best-sellers. Vejamos: uns sete ou oito da Agatha Christie, seis do Sidney Sheldon, um do A. J. Cronin, um do J. M. Simmel, bastante depressivo, que me fez lembrar da tristeza de infância (chama-se Não matem as flores), um livro de terror, um tal 666 - no limiar do inferno, que me botou doente de medo, e me tirou o sono por uma semana. E mais: li Meu pé de laranja lima, e chorei deveras... Hoje, adulto, rio disso, mas na época levei muito a sério. Bom, acho que basta de trivialidades. Por maior carinho que eu tenha por algumas delas, é isso o que elas são. Só devo mencionar ainda dois livros de literatura juvenil que amarei para sempre, e que não são trivialidades, mas pertencem a essa época de minha vida: A hora do amor, e A hora da luta, ambos de Álvaro Cardoso Gomes. Ri muito, e também me emocionei, com os dois... (um é continuação do outro, A hora do amor é mais ingênuo, e A hora da luta bem político). Mas!... Vamos à "grande literatura"!... Aos treze anos o irmão mais velho de um amigo de escola, alguém que eu sempre visitava, para fazermos, os três, eu e os dois irmãos, campeonatos intermináveis de futebol de botão, e gente com quem eu também gostava muito de conversar, enfim, ele me indicou e me emprestou O perfume, de Patrick Süskind, afirmando se tratar de um "livraço". Levei bem uns seis meses para ler o livro inteiro, e até hoje sou capaz de dar o resumo. Li com interesse, não entendi bem "qual era a do livro", fiquei impressionado, talvez devesse dizer "desarmado" por ele. Penso, hoje, que ele pode ser alegórico, mas não consigo atinar de quê, e nem aqui é o lugar para isso... Ora, é apenas um relato histórico, pessoal!... O fato é que esse foi o único livro da "grande literatura" que eu li, na íntegra, em versão completa (traduzida...), até os dezoito anos. Por volta dos quinze li aquelas adaptações da editora Scipione, Dom Quixote, Moby Dick, O morro dos ventos uivantes, etc. (livros que mais tarde eu li, todos, na versão completa, inclusive as mais de mil páginas dos dois volumes do Quixote...). Quanto à escola... Bom, a escola: confesso que fui um péssimo aluno de Língua Portuguesa. Escrevia redações muito boas, mas não lia os livros que a professora pedia. Logo no primeiro ano ela trabalhou O Ateneu, e pediu que lêssemos. Eu comecei, mas quando li Sérgio dizer "como qualquer namorada", referindo-se a si próprio, fiquei abismado... Como é que um homem podia falar de si mesmo usando o termo "namorada"!... Larguei O Ateneu. Não. Para mim, em plena explosão hormonal dos quinze anos, simplesmente não dava para não ser homofóbico. Depois, no terceiro ano, a mesma professora pediu A noite na taverna, de Álvares de Azevedo, livro que pelo que eu ouvia nas aulas me parecia ser muito legal, mas que minha família não tinha condições de comprar (estávamos apertadíssimos), e então eu inventei uma desculpa de que "não tava a fim de ler o livro"...
  Chegada a época de prestar o vestibular, entrei num cursinho, e do começo do ano, em que eu assistia a todas as aulas, e fazia todos os exercícios, passando pelo mês de Junho, em que eu passava o período das 19hs30min até as 23hs quase todo na pastelaria ali perto, tomando cerveja, e jogando conversa fora com os amigos, e terminando em novembro, início das provas, quando eu já não tinha dinheiro nem para as cervejas, nem para o cursinho, então estudava em casa mesmo, enfim, durante esse ano (1997) desenvolveu-se em mim um apego pela literatura, uma certeza de que literatura era algo importantíssimo (para se ter uma ideia da transformação, eu inicialmente queria prestar Engenharia ou Matemática...). Foi essa certeza que me fez enfrentar textos mais difíceis, textos cuja essência me escapava, acostumado que estava às facilidades (trivialidades) da literatura de mercado. Teimei. Teimei muito. Fogo morto, por exemplo, era um livro que me desagradava imensamente, era uma batalha lê-lo, e veja: hoje é um livro com lugar cativo em minha estante... Acabei passando no vestibular da USP para o curso de Letras, de que só viria a cursar três semestres. Sim, desisti. Da primeira vez, eu desisti mesmo. Fui fazer Ciências Sociais, porque queria entender a sociedade, o mundo em que vivia, e depois fui fazer Processamento de Dados, porque queria ganhar dinheiro, porque queria viver bem... (e eu mal desconfiava de que a literatura pode proporcionar tudo isso...). Nesse tempo, nos intervalos de que dispunha, procurava ler, e de fato eu li muito, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Cyro dos Anjos, Dostoievski, Albert Camus... Meu gosto refinou-se, e mudou tanto, que hoje não consigo ler best-seller... Não é pedantaria, acredite. Não tenho paciência para "enfrentar" o tipo de livro que eu lia na primeira juventude (sim, porque eu me considero na "segunda juventude"...). De uma pequena biblioteca de pouco mais de quinhentos volumes, quase todos comprados com o meu batalhado dinheirinho, tenho três livros prediletos, três livros que sempre releio, e vou continuar relendo até a velhice: São Bernardo, de Graciliano Ramos, A brincadeira, de Milan Kundera, e O amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos. Três livros queridos, companheiros quando o mundo reservou-me a minha cota de solidão, fonte de empatia e compreensão, alcançadas ao me identificar com seus personagens, e por que não dizer: fonte de felicidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário